O Ensino Médio, no Brasil, está envolto em um processo de lutas da classe trabalhadora pelo direito de acessar e concluir uma formação que dialogue com as diversas realidades e necessidades dos seus filhos. Ir para a universidade ou ingressar, imediatamente, no mercado de trabalho são caminhos que não devem pesar sobre a qualidade do ensino e tratamentos diferenciados dos sonhos dos estudantes. Foi com esse olhar que se construiu o excludente ensino médio dual, na educação brasileira, com duras consequências, até hoje, momento no qual desembocamos na implementação da Lei nº 13.415/17, também conhecida por “Novo Ensino Médio” e que alterou a LDB nº 9394/96.
Inicialmente, gostaríamos de chamar atenção para o que se diz “novo” na perspectiva da atual discussão sobre as mudanças no ensino médio. Para tanto, recorremos a uma das definições dos dicionários da nossa língua-mãe: Novo é aquilo que foi feito, concluído ou inventado, recentemente; que não tinha sido imaginado ou realizado antes; que apareceu ou que foi visto pela primeira vez. Sabemos, nós, educadores, que as discussões sobre os anos finais da educação básica não são novas, tampouco a certeza de que precisamos superar, ainda, o ensino médio dualista, ou seja, um para ricos, outro para pobres e, claro, superar discursos insistentes de que uns devem ir para o mercado de trabalho e outros para os campi universitários.
Podemos utilizar, então, um outro significado de “novo”, ou seja, aquele que o aproxima da palavra “novidade”? Avaliamos que sim e, neste caso, destacamos uma negativa novidade, experimentada por nós, no ano de 2016, com a publicação da Medida Provisória nº 746 pelo então presidente Michel Temer. Tal medida interrompeu um diálogo profícuo de educadores, juventude e movimento sociais ligados à Educação com as instâncias do governo federal e acompanhou outras medidas danosas ao correto debate democrático, como foi a mudança na composição do Fórum Nacional de Educação. Assim, chegamos à Lei nº 1.415/17, que institui o “Novo Ensino Médio”.
No Maranhão, não raramente, também utilizamos a expressão e agora é oportuno dizermos, tanto no sentido quanto no propósito, que não dialogamos com o percurso descrito anteriormente. Buscando nos afastar da memória e persistência dos currículos herméticos, isolados, nossa inspiração freiriana aponta para a valorização do potencial das pessoas na construção de um ensino médio que se entrelaça com a ideia de desenvolvimento de país. Desenvolvimento sustentável, porque é sustentado pelo povo e, inegociavelmente, inclusivo para todos.
E por que não pensar que um “novo ensino médio” só é construído quando pensamos, também, em uma “nova educação infantil” e em um “novo ensino fundamental”, permitindo que todos acessem e permaneçam na escola durante toda a educação básica e sem naturalizarmos algum percentual que, ainda, está fora dela ou vai ficando à margem no percurso? Por isso, como quem ama os ditos da nossa cultura popular, no Maranhão, agarramo-nos à expressão “a pressa é inimiga da perfeição”.
Em 2019, publicamos, em parceria com os municípios e o trabalho de milhares de educadores dos nossos 217 municípios, o Documento Curricular do Território Maranhense para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental. Em seguida, aprofundamos nas mudanças previstas, legalmente, para o Ensino Médio. Sem ferir quaisquer prazos legais, atravessados pela nefasta pandemia e cientes do território desafiador, olhamos para o que estava posto (isso inclui a própria lei, fruto da Medida Provisória e o programa criado pelo Ministério da Educação, com seu baixo alcance), valendo-nos da autonomia dos Estados, para termos um “Novo Ensino Médio” da juventude do Maranhão, movimento que, até aqui, envolveu mais de 11 mil jovens, mais de 2.500 docentes dos diversos componentes curriculares e mais de 700 profissionais de gestão escolar.
Compreendemos que novos caminhos e possibilidades precisam passar, primeiro, pela desconstrução do binômio trabalho e estudo. Deste modo, trabalho imediato é desejo valoroso, ingresso na universidade, também, o é. E para construir isso com solidez, o processo desenvolvido até aqui, olha para Itinerários Formativos por Campos Produtivos Locais, desenhados por meio do aprofundamento das particularidades do território e do diálogo e escuta com jovens estudantes.
O estágio atual do trabalho conta com 41 escolas-piloto, envolvendo centros em tempo parcial e em tempo integral, incluindo uma unidade integrada à educação profissional. Neste momento, experimentamos erros e acertos, a fim de garantir que a rede pública tenha um ensino médio que, em seus diversos modos de oferta, represente a heterogeneidade da nossa juventude, com a dinâmica e potência que lhe são características. Um projeto de ensino médio que se determine a eliminar a distância entre os saberes científicos construídos na escola e a vida dos estudantes. Afinal, para que serve o conhecimento se não for utilizado no cotidiano e não fizer sentido para a vida de cada um e de cada uma?
O modo como o Maranhão fez sua trajetória, às vezes, marcando o passo, às vezes, apressando-o, em virtude das urgências da vida dos milhares que estão nas escolas públicas, reflete um tanto da história de uma luta contra a exclusão social e pela participação por meio da educação e da escola.
Sem querer aprofundar nos debates sobre a adoção da palavra “novo”, destacamos, por fim, uma última definição: Novo é aquilo que substitui e/ou ultrapassa alguma coisa. Queremos mesmo é que a estigmatização da nossa juventude seja substituída pela crença de que podem (e certamente irão) ultrapassar as barreiras para serem o que desejarem e encontrarão, nisso, o respeito e acolhimento de todos nós. Caminho feito, lutaremos para que essa novidade se perpetue.
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